domingo, 12 de fevereiro de 2012


ESPAÇO DO CONTO



Conto do Bonfim



O velho de barba branca cumprimentou àquele jovem que estava sentado no degrau da escadaria da Igreja do Nosso Senhor do Bonfim.
– Bom dia, meu jovem. O que tu fazes aí, sentado na escadaria de minha casa? – o velho perguntou.
– Bom dia – o jovem respondeu olhando admirado. – Desculpe-me a intromissão, mas estou exausto. Veja, peguei o primeiro voo para esta bela cidade de Salvador e aqui cheguei bem cedinho. Andei o dia todo e agora estou descansando das labutas do dia.
O velho admirado com aquele homem ali sentado, perguntou-lhe por que andara tanto naquele dia. O jovem informou que procurava por informações.
– Informações?
– Sim, informações sobre uma baiana que conheço e ao mesmo tempo desconheço.
– E conseguiu?
– Não, todos aqui só conhecem as baianas verdadeiras, aquelas que vão atrás do trio elétrico. A baiana que procuro é uma baiana falsificada, segundo ela mesma disse, pois não é lá muito chegada às tradições carnavalescas desta terra de Todos os Santos.
– Sim, esta é a terra de Todos os Santos. Mas, o que tu fizeste para buscar as informações que procuravas?
O jovem disse-lhe que andara por todos os lados. Estivera em Ondina, passara por Itapoã, circulara pela Barra, e apreciara aquele lindo Farol. Fora ao Mercado Modelo e subira o Elevador Lacerda. Passara pela Praça Castro Alves e descera a ladeira do Pelourinho. Comera acarajé na barraca de uma simpática baiana. Visitara as igrejas e até na Lagoa do Abaeté ele fora. Aí, acabara naquela escadaria, exausto.
– E não obteve nenhuma informação?
– Nenhuma. A turma insistia que uma baiana de fato tem que estar atrás do trio elétrico. Até que encontrei o Caetano e ele... Acho que ficou com pena de mim. Telefonou para a Betânia e descreveu a minha baiana para ela. Sabe o que ela respondeu? Que a minha baiana era especial. Eu deveria continuar tentando encontrá-la, mas ela não poderia me dar maiores informações.
– Mas, por que procuras tanto por essa baiana falsificada?
- Eu a vi apenas duas vezes. Na primeira fiquei encantado com sua beleza e simpatia. Na segunda... Ah! Aqueles olhos, aquele rosto, aquele sorriso, aquela alegria, que mulher, que guarda um coração que pulsa no brilho dos olhos, que traz em sua essência a pureza de alma, que reflete amor na voz suave dos doces lábios.
– Como? Então tu és um poeta! – o velho se encantava com o jovem.
– Ela me faz um poeta para poder descrever o indescritível! Mas, me dei conta que nada sabia sobre ela e, aqui estou eu. E continuo na mesma.
– E o que vais fazer?
– Voltar e esperar que alguma informação caia do céu.
– O céu por testemunha – o velho sorria com a angústia do jovem.
– É, o céu por testemunha, na solidão do esperar. Bem, vou indo. Acho que já o incomodei demais. Grato pela hospitalidade nesta bela escadaria. Mas, como é o seu nome?
– Bonfim.
– Bonfim?
– É eu sou o Senhor do Bonfim, e esta igreja é a minha casa. E o seu nome?
– Shakespeare.  Shakespeare Apaixonado.
– Ah, da família dos apaixonados!
– É, é isso aí. Adeus Senhor do Bonfim. Grato por me escutar – o jovem levantou-se para seguir seu caminho.
– Adeus. Espere! Talvez eu possa ajudá-lo se descrever a sua “baiana falsificada”.
– Ela é linda. É lindaaaaaa...

                                                        *

         A campainha do telefone tilintou na madrugada.
– Quem será a esta hora da noite? – Alô!
– Shake? É você? – havia intimidade na voz do outro lado.
– Sim, sou eu, Shakeaspeare – o jovem se perguntava quem o chamava de forma tão íntima.
– O Apaixonado? – uma gargalhada simpática ecoou pelo fone. – Aqui é o Bonfim.
– Senhor do Bonfim? É você?
– Claro! Pensou que iria me esquecer de ti? Mas esqueça o senhor. Afinal, estou de férias nesta bela Salvador. Já estou quase falando a lá baianos.
– Não é isso... Quer dizer, pensava que tu estivesses lá em cima.
– Nada! Ainda tenho alguns dias de férias. Senão não poderia tomar água de coco e comer acarajé na Pituba, nas belas tardes de Salvador. Meu lugar preferido.
– E aí tem cada baiana... Desculpe-me...
– Não se preocupe. Mas, você tem razão. Aqui tem cada baiana... – o velho dava gargalhada.
– Mas por que tu estás a chamar a esta hora da noite? – o jovem intrigava-se.
– Ah tu estavas dormindo? E eu aqui tomando meu chopinho na Barra. Queria dizer-te que vi tua baiana falsificada. Rapaz, você tem razão. Que mulher!
– Como a encontrou se nem a conhece?
– Pela tua descrição. Tu não disseste que ela era linda? Então, ficou fácil. Fui até aí e a encontrei no trabalho. Meio que misturada com computadores, requisições, sei lá de que. Enfim, correndo de um lado para o outro o dia todo. Mas, que linda... Ufa!
– Vamos, conte como foi. Falou com ela?
– Não, ela não podia me ver. Tu sabes como é, tenho certos poderes. Não poderia estar usando tais poderes, mas não resisti. Quando retornar lá para cima, vou levar bronca. Mas, quando contar que ela era linda, vão relaxar comigo. Nas férias fico meio inconsequente.
– Então, Bonfim, tu conseguiste as informações?
         – Não, meus poderes não chegaram a tanto. E concluí que só ela poderá te dar as informações que tu buscas. Mas posso te adiantar alguma coisa. Não é que fui eu quem cuidou do nascimento dela! Fiquei satisfeito de ver que aquela menininha que vi nascer deu nessa bela mulher. Aí mandei os lá de cima fazerem uma pesquisa sobre ti e não é que eu o deixei aos cuidados do Antônio!
– Antônio?
– É, o Santo Antônio. Aí descobri que ele confundiu tudo e trocou as datas. E deu no que deu. Tu, que eras para nascer na mesma data dela, ou próxima, acabou vindo muito mais cedo.
– Ah, safado do Santo Antônio. Complicou tudo.
– É ele ajuda muito, mas costuma errar as datas.
– E agora?
– Agora vocês que se entendam. Tchau! Vou continuar meu chope.
- Ainda pego o Bonfim de bico. Onde já se viu me passar para o Santo Antônio – o jovem ria com a situação.

                                                        *

O telefone tocou.
– Alô! Bonfim é você?
– Shake? Que bom que chamou. Olhe, estou retornando lá para cima. Acabaram-se as férias. Agora é trabalhar. Mas, Shake, conte-me, continuas apaixonado?
– Com A maiúscula. Afinal, está no nome. Que posso fazer a não ser extravasar através de poemas, em versos de amor? Melhor seria se pudesse sussurrar no ouvido dela.
– E a menina linda? Que notícia me dá? – o velho estava curioso.
– Olhe, eu pesquisei o mais que pude e não adicionei nenhuma informação. É um mistério – decepcionava-se o jovem.
– Então?
       – Então, concluí que seu coração tem dono. Mas, não me importo. Coração é assim mesmo, cheio de fraquezas. Um monte de músculos sem domínio sobre si. Qualquer coisa ele fica acelerado. Às vezes quase sai pela boca. Também, não estou me importando...
– Olhe, não vá fazer como a raposa – o velho ria.
– Raposa?
– É, aquela do La Fontaine.
La Fontaine?
– A Fábula do La Fontaine! Lembra-se?
– “A Raposa e a Uva?”.
– Exatamente. Vou refrescar sua memória. A raposa tentava desesperadamente pegar o cacho de uva que estava dependurado na parreira. Pulava, pulava, pulava... Nada de alcançar. De tanto pular, desistiu e saiu com essa “Também, não vale à pena”. Aí, caiu uma folha da parreira, que ela percebeu pelo rabo do olho. Pensando que fosse o cacho de uva, deu um salto sobre a folha.
– Entendeu?
         – Entendi. Também, não precisava me dar lição – o jovem se rendia a sua ignorância.
         – Pois é, persista, vá atrás do que queres e não desanimes.
– Olhe, o coração acho que não vai dar, mas uma coisa é certa. A alma, essa ninguém me tira. Já é minha e ela sabe. Ganhei-a com versos de amor; eles falam, tocam e jamais serão esquecidos. O tempo passará, mas ela jamais esquecerá os momentos de agora.
– Claro, a alma é eterna.
– Ficarei eternamente grato meu caro Bonfim.
– Mas, como vês a alma? – aquilo era importante para o velho.
- Alma! Tão pura que és, quando flui por esse corpo de mulher. Perfeição de plástica, beleza de formas, o rosto singelo, o brilho nos olhos. Lábios de mel, que não são meus, por conta do tempo, tempo cruel. Que não permitiu o encontro de dois, que em outros tempos ver-se-iam no amor. E se completariam no amar. Alma! Que guardarei para sempre. Fechada a sete chaves, na lembrança de alguém, que balançou meu coração.                         
– Ta í! Gostei. Muito poético. Até as próximas férias. Foi bom te conhecer. Afinal, não é toda hora que encontro alguém tão Apaixonado!
- Até, meu bom Senhor do Bonfim. Olhe por mim e por ela. Mas, torça por mim.

                                                                       
Ricardo Ferrer



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