ESPAÇO DO CONTO
Conto do Bonfim
O velho de barba branca cumprimentou àquele jovem que
estava sentado no degrau da escadaria da Igreja do Nosso Senhor do Bonfim.
– Bom dia, meu jovem. O que tu fazes aí, sentado na
escadaria de minha casa? – o velho perguntou.
– Bom dia – o jovem respondeu olhando admirado. –
Desculpe-me a intromissão, mas estou exausto. Veja, peguei o primeiro voo para
esta bela cidade de Salvador e aqui cheguei bem cedinho. Andei o dia todo e
agora estou descansando das labutas do dia.
O velho admirado com aquele homem ali sentado,
perguntou-lhe por que andara tanto naquele dia. O jovem informou que procurava
por informações.
– Informações?
– Sim, informações sobre uma baiana que conheço e ao
mesmo tempo desconheço.
– E conseguiu?
– Não, todos aqui só conhecem as baianas verdadeiras,
aquelas que vão atrás do trio elétrico. A baiana que procuro é uma baiana falsificada, segundo ela mesma disse,
pois não é lá muito chegada às tradições carnavalescas desta terra de Todos os Santos.
– Sim, esta é a terra de Todos os Santos. Mas, o que tu fizeste para buscar as informações
que procuravas?
O jovem disse-lhe que andara por todos os lados.
Estivera em Ondina, passara por Itapoã, circulara pela Barra, e apreciara
aquele lindo Farol. Fora ao Mercado Modelo e subira o Elevador Lacerda. Passara
pela Praça Castro Alves e descera a ladeira do Pelourinho. Comera acarajé na
barraca de uma simpática baiana. Visitara as igrejas e até na Lagoa do Abaeté ele
fora. Aí, acabara naquela escadaria, exausto.
– E não obteve nenhuma informação?
– Nenhuma. A turma insistia que uma baiana de fato tem
que estar atrás do trio elétrico. Até que encontrei o Caetano e ele... Acho que
ficou com pena de mim. Telefonou para a Betânia e descreveu a minha baiana para
ela. Sabe o que ela respondeu? Que a minha baiana era especial. Eu deveria
continuar tentando encontrá-la, mas ela não poderia me dar maiores informações.
– Mas, por que procuras tanto por essa baiana falsificada?
- Eu a vi apenas duas vezes. Na primeira fiquei
encantado com sua beleza e simpatia. Na segunda... Ah! Aqueles olhos, aquele
rosto, aquele sorriso, aquela alegria, que mulher, que guarda um coração que
pulsa no brilho dos olhos, que traz em sua essência a pureza de alma, que
reflete amor na voz suave dos doces lábios.
– Como? Então tu és um poeta! – o velho se encantava
com o jovem.
– Ela me faz um poeta para poder descrever o
indescritível! Mas, me dei conta que nada sabia sobre ela e, aqui estou eu. E continuo
na mesma.
– E o que vais fazer?
– Voltar e esperar que alguma informação caia do céu.
– O céu por testemunha – o velho sorria com a angústia
do jovem.
– É, o céu por testemunha, na solidão do esperar. Bem,
vou indo. Acho que já o incomodei demais. Grato pela hospitalidade nesta bela
escadaria. Mas, como é o seu nome?
– Bonfim.
– Bonfim?
– É eu sou o Senhor do Bonfim, e esta igreja é a minha
casa. E o seu nome?
– Shakespeare.
Shakespeare Apaixonado.
– Ah, da família dos apaixonados!
– É, é isso aí. Adeus Senhor do Bonfim. Grato por me
escutar – o jovem levantou-se para seguir seu caminho.
– Adeus. Espere! Talvez eu possa ajudá-lo se descrever
a sua “baiana falsificada”.
– Ela é linda. É lindaaaaaa...
*
A campainha do telefone tilintou na
madrugada.
– Quem será a esta hora da noite? – Alô!
– Shake? É você? – havia intimidade na voz do outro
lado.
– Sim, sou eu, Shakeaspeare – o jovem se perguntava
quem o chamava de forma tão íntima.
– O Apaixonado? – uma gargalhada simpática ecoou pelo
fone. – Aqui é o Bonfim.
– Senhor do Bonfim? É você?
– Claro! Pensou que iria me esquecer de ti? Mas
esqueça o senhor. Afinal, estou de férias nesta bela Salvador. Já estou quase falando
a lá baianos.
– Não é isso... Quer dizer, pensava que tu estivesses
lá em cima.
– Nada! Ainda tenho alguns dias de férias. Senão não
poderia tomar água de coco e comer acarajé na Pituba, nas belas tardes de
Salvador. Meu lugar preferido.
– E aí tem cada baiana... Desculpe-me...
– Não se preocupe. Mas, você tem razão. Aqui tem cada
baiana... – o velho dava gargalhada.
– Mas por que tu estás a chamar a esta hora da noite?
– o jovem intrigava-se.
– Ah tu estavas dormindo? E eu aqui tomando meu
chopinho na Barra. Queria dizer-te que vi tua baiana falsificada. Rapaz, você
tem razão. Que mulher!
– Como a encontrou se nem a conhece?
– Pela tua descrição. Tu não disseste que ela era
linda? Então, ficou fácil. Fui até aí e a encontrei no trabalho. Meio que
misturada com computadores, requisições, sei lá de que. Enfim, correndo de um
lado para o outro o dia todo. Mas, que linda... Ufa!
– Vamos, conte como foi. Falou com ela?
– Não, ela não podia me ver. Tu sabes como é, tenho
certos poderes. Não poderia estar usando tais poderes, mas não resisti. Quando
retornar lá para cima, vou levar bronca. Mas, quando contar que ela era linda,
vão relaxar comigo. Nas férias fico meio inconsequente.
– Então, Bonfim, tu conseguiste as informações?
– Não, meus poderes não chegaram a tanto. E concluí que só ela poderá
te dar as informações que tu buscas. Mas posso te adiantar alguma coisa. Não é
que fui eu quem cuidou do nascimento dela! Fiquei satisfeito de ver que aquela
menininha que vi nascer deu nessa bela mulher. Aí mandei os lá de cima fazerem
uma pesquisa sobre ti e não é que eu o deixei aos cuidados do Antônio!
– Antônio?
– É, o Santo Antônio. Aí descobri que ele confundiu
tudo e trocou as datas. E deu no que deu. Tu, que eras para nascer na mesma
data dela, ou próxima, acabou vindo muito mais cedo.
– Ah, safado do Santo Antônio. Complicou tudo.
– É ele ajuda muito, mas costuma errar as datas.
– E agora?
– Agora vocês que se entendam. Tchau! Vou continuar
meu chope.
- Ainda pego o
Bonfim de bico. Onde já se viu me passar para o Santo Antônio – o jovem ria
com a situação.
*
O telefone tocou.
– Alô! Bonfim é você?
– Shake? Que bom que chamou. Olhe, estou retornando lá
para cima. Acabaram-se as férias. Agora é trabalhar. Mas, Shake, conte-me,
continuas apaixonado?
– Com A maiúscula. Afinal, está no nome. Que posso
fazer a não ser extravasar através de poemas, em versos de amor? Melhor seria
se pudesse sussurrar no ouvido dela.
– E a menina linda? Que notícia me dá? – o velho
estava curioso.
– Olhe, eu pesquisei o mais que pude e não adicionei
nenhuma informação. É um mistério – decepcionava-se o jovem.
– Então?
– Então, concluí que seu coração tem dono. Mas, não me importo. Coração
é assim mesmo, cheio de fraquezas. Um monte de músculos sem domínio sobre si.
Qualquer coisa ele fica acelerado. Às vezes quase sai pela boca. Também, não
estou me importando...
– Olhe, não vá fazer como a raposa – o velho ria.
–
Raposa?
–
É, aquela do La Fontaine.
– La Fontaine?
– A Fábula do La Fontaine! Lembra-se?
– “A Raposa e a Uva?”.
– Exatamente. Vou refrescar sua memória. A raposa
tentava desesperadamente pegar o cacho de uva que estava dependurado na parreira.
Pulava, pulava, pulava... Nada de alcançar. De tanto pular, desistiu e saiu com
essa “Também, não vale à pena”. Aí, caiu uma folha da parreira, que ela
percebeu pelo rabo do olho. Pensando que fosse o cacho de uva, deu um salto
sobre a folha.
– Entendeu?
– Entendi. Também, não
precisava me dar lição – o jovem se rendia a sua ignorância.
– Pois é, persista,
vá atrás do que queres e não desanimes.
– Olhe, o coração acho que não vai dar, mas uma coisa
é certa. A alma, essa ninguém me tira. Já é minha e ela sabe. Ganhei-a com versos
de amor; eles falam, tocam e jamais
serão esquecidos. O tempo passará, mas ela jamais esquecerá os momentos de
agora.
– Claro, a alma é eterna.
–
Ficarei eternamente grato meu caro Bonfim.
–
Mas, como vês a alma? – aquilo era importante para o velho.
- Alma! Tão pura que és, quando
flui por esse corpo de mulher. Perfeição de plástica, beleza
de formas, o rosto singelo, o brilho nos olhos. Lábios de mel, que não são
meus, por conta do tempo, tempo cruel. Que não permitiu o encontro de dois, que
em outros tempos ver-se-iam no amor. E se completariam no amar. Alma! Que
guardarei para sempre. Fechada a sete chaves, na lembrança de alguém, que
balançou meu coração.
– Ta í! Gostei. Muito poético. Até as próximas férias.
Foi bom te conhecer. Afinal, não é toda hora que encontro alguém tão Apaixonado!
- Até, meu bom Senhor
do Bonfim. Olhe por mim e por ela. Mas, torça por mim.
Ricardo Ferrer
1 comentários: